Coisas de miúda

"E pra começar eu só vou gostar De quem gosta de mim" Caetano Veloso

quarta-feira, setembro 22, 2004

Entrevista a Odete Santos

Revolução é a subversão de um sistema inimigo e injusto


Odete Santos é uma das mais carismáticas deputadas no Parlamento Português. Militante destacada do Partido Comunista Português é uma das vozes mais ouvidas na opinião pública. Resistente convicta, sabe que aquilo que é hoje, tem a marca do seu passado, daquilo que viveu. Três décadas depois, continua a defender o “R” na Revolução.


1-O que a levou a aderir ao Partido Comunista Português?

Antes de compreender o marxismo-leninismo, compreendi a justiça social e a luta contra a desigualdade. Logo muito cedo no fascismo achei, e continuo a achar, que quem lutava pela justiça e pelas desigualdades eram os comunistas. Foi aí que despertei e quando comecei a estudar alguma coisa sobre o marxismo, porque ainda não estudei tudo. O marxismo é uma doutrina filsófica - económica, e é um método de análise história. Este dá as bases para explicar as crises do capitalismo e para o derrotar. Lenine trouxe uma reflexão importante ao marxismo, sobre a organização do partido e do sistema do estado socialista.


2- Como viveu o período do Estado Novo?

Antes de ter consciência do que se passava, já me apercebia que imperava o medo. Lembro-me de nas eleições do Norton de Matos o meu pai ter ido assistir a um comício e a minha ter ficado cheia de medo. Apercebia-me que se vivia num período de terror. Os meus pais eram professores, por isso, contactei muito com a classe dos funcionários públicos. Muitas vezes tinham de ficar calados. Quando tomei consciência foi diferente. Vivi esse período no meio de muitas lutas. Na década de 60, as coisas começaram a mudar com os movimentos estundantis e de revolta dos povos africanos contra a colonização. Houve momentos marcantes para mim. A fuga de Peniche de Álvaro Cunhal, foi um deles. Mais do que a fuga de um homem, que era importante cá fora, mostrou que o sistema tinha pés de barro e que podia ser combatido. Eu estive envolvida nessa fuga, e na crise de 62, que foi uma aliança entre trabalhadores e estudantes. Ocorreram muitas manifestações na rua, no 1º e no 8º de Maio denunciando a repressão, e eu também estive lá. Isso impressionou-me muito. Vivi com medo, sofri consequências. Mas fui uma entre muitos.

3 – Dizem que toda a gente tem uma definição de Revolução diferente. Como foi a “sua” Revolução de Abril?
A “minha” Revolução não foi só política. Não “apenas” a concessão das liberdades, o acabar da polícia política, a liberdade de expressão, de reunião. Foi muito mais do que isso. Foi o ínicio da alteração das estrutturas económicas baseadas nos monopolios, nos latifundios. A economia era um sustentáculo do fascimo. O 25 de Abril iniciou a destruição desse sustentáculo. Com a reforma agrária e a nacionalização de algus sectores (não todos) da sociedade. Tudo isto levou a melhorias no campo social. Num aumento do nível de vida do povo. Para mim é um complexo de subversão no sentido positivo. É a subversão de um sistema inimigo e injusto e das suas estruturas económicas e sociais.

4 - Quais foram para si as maiores conquistas de Abril?
É muito difícil escolher. Na área política foi a institucionalização do sistema partidário. O que tornou possível a legalização do PCP. No campo económico, as nacionalizações dos sectores chaves da sociedade. Do ponto de vista social é sem dúvida a igualdade na lei.


5- E concretamente no campo feminino?
A igualdade homem mulher. A possibilidade de as mulheres passarem a ter os mesmo direitos é algo de extrema importância.

6- Em Abril de 74 o que imaginava para o país?
Em Abril de 74 fiquei simplesmente contente. Não imaginei nada. À medida que o tempo foi passando a sucessão dos acontecimentos acabou por não me espantar. Houve todo um processo evolutivo. Acho que não se irá voltar totalmente atrás. Há sinais positivos que apontam nesse sentido. Os acontecimentos no Iraque mostram que as pessoas perceberam que não é possível continuar assim. Penso que não vai haver a possibilidade de voltar atrás. Mas, não se pode dizer nunca mais.

7- 30 anos depois Abril é Evolução ou Revolução?
Revolução! O 25 de Abril foi uma Revolução, porque foi uma subversão de estruturas. Não foi o aproveitamento do sistema para se fazerem melhorias. Marcelo Caetano quis fazer, a evolução na continuidade. Mudou os nomes, mas continuou tudo na mesma. O 25 de Abril não se resume a aletrações no sistema. É muito mais do que isso!

8 – José Mário Branco editou recentemente um cd intitulado, Resistir é Vencer. É um dos principais rostos do Partido Comunista. Considera-se uma resistente, e por isso mesmo, uma vencedora?
Sou uma resistente. Mas resisto porque estou integrada num colectivo. Resistir sozinha não é possível. Mesmo na minha vida pessoal, eu considero – me uma resistente. E uma corredora de fundo, de maratona. Vou armazenado forças, esperançada, de que no fim alcançarei a vitória final.