Coisas de miúda

"E pra começar eu só vou gostar De quem gosta de mim" Caetano Veloso

quinta-feira, março 11, 2004

Trova do Vento que Passa



"Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.



Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.



Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém me diz.



Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que eu morro por meu país.



Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio - é tudo o que tem

quem vive na servidão.



Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.



E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.



Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.



Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)

vi minha pátria florir

(verdes folhas verdes mágoas).



Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.



E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi minha pátria parada

à beira dum rio triste.



Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.



E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento

e o vento nada me diz.



Quatro folhas tem o trevo

liberdade quatro sílabas.

Não sabem ler é verdade

aqueles pra quem eu escrevo.



Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.



Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não."


Manuel Alegre


Acabei de ler uma crónica de um jornal Pravda sobre Portugal. "Roubei" um bocadinho do texto que postei antes. É o olhar de russo que vive em Portugal e nos retrata.
Lembrei - me deste poema. Foi escrito por um homem que eu admiro num tempo complicado e diferente.
Não sei porquê ( ou será que sei?) há algo que liga o poema à actualidade...