Coisas de miúda

"E pra começar eu só vou gostar De quem gosta de mim" Caetano Veloso

terça-feira, abril 13, 2004

Liberdade

Pedro está deitado. Tem os olhos fechados, a cela escura e fria não o convida a abri-los. O tempo faz com que se habitue todos os dias a uma rotina triste e vazia.
Todos os dias depois de escrever e caminhar, é isto que faz. Deita-se, fecha os olhos, e pensa. Pensa nela, na filha.
Os dias turbulentos que vive não o fazem pensar e querer outra coisa senão estar com a pequena Maria e abraçá-la. Para ele nada mais importa. Tudo o resto é acessório. Os motivos que o levaram para aquele sítio, o que o acusam de fazer. Apenas lhe importa vê-la.
O desejo e o sonho de ver a filha fazem-no, por momentos, esquecer que não conhece o presente e futuro. Não sabe como entrou, e não sabe quando sairá dali. E tudo o que o acusam é para ele uma incógnita.
Quando pensa em Maria vê-a pequenina nos braços da mãe, ainda bebé. Sente o cheiro do suor que as brincadeiras no jardim lhe provocavam. Lembra-se das histórias contadas antes de adormecer.
E por breves instantes, imagina-a ali, a brincar com ele, a mostar as bonecas, a contar as novidades do cachorinho que recebeu no 6º aniversário, e a dizer que é uma criança feliz. Quando abre os olhos espera-o a dura realidade de quem vive privado. Privado da família, dos amigos, da profissão, do amor, do carinho, dos sentimentos.
A dura realidade de um processo Kafkiano. No caminho desse processo, cada porta que se abre é uma porta que se fecha.
Sabe que perdeu a vida. Sabe que tudo será diferente. Sabe que tudo mudou. Sabe que é mais um esquecido no totalitarismo de um regime.
Mas também sabe que quando fecha os olhos e pensa na filha, é o mais livre de todos os Homens!