Coisas de miúda

"E pra começar eu só vou gostar De quem gosta de mim" Caetano Veloso

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

Beijo prometido

A voz de Jane Birkin com o tema Elisa é o único som que se ouve em casa. Rita está sentada a ler, a tentar não pensar.
Não consegue! Presegue- a a memória. Aquela triste capacidade de lembrar o tempo passado. Consome-a vontade de querer seguir em frente e não o conseguir.
Pára. Pousa o livro e rende-se ao pensamento, sai derrotada da luta contra o passado.
Olha à sua volta. O apartamento está escuro, passaram-se meses sem que a alegria ali entrasse. Os livros continuam na estante por detrás da mesa de jantar, a manta que trouxe do México continua em cima do sofá branco, o cinzeiro em cima da mesinha da sala está vazio. A própria casa está vazia.
Falta a pessoa que tornava aquela sala, aquele casa viva. A pessoa que enchia a mesa de livros, o cinzeiro de cinzas, e se enrolava na manta, ao mesmo tempo, que se enrolava e entusiasmava com o trabalho.
Rita, vê-o a ler e a chamar por ela. Queria que ela fosse a primeira com quem ele ia partilhar as Ideias.
E ela era sempre a primeira.
Fecha os olhos tentando não chorar. Cai uma lágrima.
Rita leva as mãos à cara, preparando-se para chorar mais. Mas não! Lembra-se do sorriso dele, e sorri também, cai outra lágrima e sente que tem se sair daquele espaço.
Percorre o caminho até ao quarto, enquanto anda, vê as fotografias (conhece as de cor, mas vê-las é como se voltasse a ser feliz). O longo e largo corredor é uma comparação à sua vida nos últimos dias. Todos os dias são longos, muito longos, e largos, demasiado largos para uma só pessoa.
Entra no quarto e lembra-se dos últimos dias dele, que foram também os últimos dela. Vê o deitado na cama. E, ouve a última declaração de amor que ele lhe fez: Sempre que sentires a minha falta, sai para a rua. Contempla a vida, e deixa que logo o vento se encarregará de te dar um beijo meu.
Vestiu o casaco e saiu, assim.
Entrou na rua, desesperada por encontrá-lo. Caminhou a olhar para o chão para o jardim mais próximo. Chegou sentou-se num banco, e ficou à espera.
E continou à espera.
Triste e deseperada começou a chorar e reclamar da vida.
E ficou assim.
A noite tomou o lugar do dia, as lágrimas secaram e as memórias dos tempos banais, mas tão felizes continuaram. Apetecia-lhe ser uma cassete, para rebobinar e voltar a viver esses tempos.
Levanta a cabeça e vê que o jardim se tornou casa, para os que não a têm. Pessoas dispõem os seus poucos haveres, com cuidado, como se estivessem a chegar a casa depois de um dia de trabalho.
Era aquilo que ele queria mudar.
Uma criança olha para ela e sorri timidamente. Rita comprenda toda a vida do homem que amou. E faz da causa dele a sua.
E num breve momento uma brisa passa pela sua face rosada do frio.
Era o beijo prometido!