Coisas de miúda

"E pra começar eu só vou gostar De quem gosta de mim" Caetano Veloso

sábado, janeiro 08, 2005

Acordar Tarde

Acorda tarde, como sempre, o sol já nasceu e entra sem timidez pelas persianas mal fechadas.
Avança descalça até à varanda, o chão gelado chega à garganta de onde sai o vapor, que lhe lembra o fumo de longos cigarros. Os aviões cruzam o céu, desenham estradas de luz onde ninguém passa, e ela sonha.
Será que hoje o vou encontrar? Será que também hoje o seu perfume vai entrar na minha mente e confundir os meus sentidos, os meus sentimentos?
Agora já a água corre freneticamente empurrando a espuma para o ralo, a ideia de limpeza está presente, mas ela continua a sentir a alma suja.
Entra no edifício e ouve assobiar. O ritmo cardíaco aumenta, a respiração torna-se ofegante e as faces coram. Aquele assobio, ela conhece-o bem. É ele! O que há-de fazer? Fingir que não o vê? Ou subir as escadas a correr e ir para a casa de banho preparar-se para o encontrar, sem perceber que nestas coisas do amor tudo é improviso, porque deixamos de comandar o nosso corpo e a nossa mente, e numa forma alada dirigimo-nos onde nos leva o coração.
Mais tarde, conta os minutos numa ansiedade asmática, até ao momento de realmente estar com ele. No céu, os pássaros aglomeram-se, e de longe parecem enxames de moscas, não fosse o seu piar e seriam realmente confundidos. Ambos chegaram à hora combinada, ela cinco passos mais atrás, segue-o com o olhar e flutua. O sol aquece o seu coração, que naquele momento parece arder entusiasticamente, e alimentar labaredas que se exteriorizam através do brilho no seu olhar.
Conversam. Ela conversa ainda mais adiando o silêncio que antecede o toque, o toque das mãos dele na sua face, na sua barriga…os seus braços à sua volta e ela treme.
Agora sente a excitação de mil borboletas a esvoaçar no seu interior e ao seu redor. Sorriem…
O sol põe-se e o frio chega. Mas ela não tem medo, pois pelas costas cai-lhe um manto feito de carne humana, que lhe aquece o corpo por causa do sangue que pulsa, e lhe aquece o coração, pelo gesto carinhoso que representa.
Já é tarde, quando estão juntos a noite teima em chegar mais cedo e traz a angústia da despedida. Adiam-na o mais possível… A música soa a silêncio. Olham-se, tocam-se, e com os lábios juntos e já saudosos dizem até amanhã.

ANDREIA DOS SANTOS



(No outro escrevi num post que, gostava de saber articular as palavras de modo a transmitir sentimentos. Era como a Andreia que eu gostava de escrever.)